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quinta-feira, 30 de março de 2017

Machado de Assis Fantástico - Maurício R. B. Campos

Machado de Assis Fantástico

A primeira publicação de Machado de Assis foram os versos de amor “Meu Anjo”, publicados no jornal “A Marmota”. Desde então o mulato de São Cristóvão revelou-se um escritor muito versátil, tendo transitado por diversos movimentos da literatura de sua época e por vários gêneros literários.
Um fato não muito conhecido da obra de Machado de Assis é sua incursão pela ficção científica, quando esse termo nem sequer existia. Esse fato não só atesta a genialidade do maior escritor brasileiro de todos os tempos, o imortal fundador da Academia Brasileira de Letras, como também atesta sua versatilidade.
Trata-se do conto “O Imortal”, o qual trata de um homem que se vê incapaz de morrer. Ao ler o conto evocamos figuras disseminadas em nosso mundo de cultura pop atual como o Highlander de Russel Mulcahy ou o Wolverine de Len Wein e John Romita (Marvel Comics).
O tema da imortalidade é tão caro à ficção científica que mereceu um verbete na “The Encyclopedia of Science Fiction” de 1993: “A Imortalidade é um dos motivos básicos do pensamento especulativo; o elixir da longa vida e a fonte da juventude são objetivos hipotéticos das clássicas buscas intelectuais e exploratórias”, afirma Brian Stableford, crítico e escritor inglês.
A fonte dos poderes do herói da trama é uma poção indígena, o que poderia caracterizar o conto como fantástico e não ficção científica, não fosse um parágrafo no texto que reproduzimos: “A ciência de um século não sabia tudo; outro século vem e passa adiante. Quem sabe (...) se os homens não descobrirão um dia a imortalidade, e se o elixir científico não será esta mesma droga selvática? ”
O conto foi publicado em 1882, entre 15 de julho e 15 de setembro, em seis partes, na revista feminina carioca “A Estação”. O conto é baseado em um outro conto de Machado chamado “Rui de Leão”, publicado dez anos antes no “Jornal das Famílias”.
As prováveis influências para a produção dessa obra de Machado foram as fantasias góticas de “St. Leon” (1799) de William Godwin, “Melmoth the Wanderer” (1820) de Charles Maturin, “The Wandering Jew” (1844) de Eugène Sue e “Auriol” (1850) de W. Harrison Ainsworth; ou até mesmo um texto de algum imitador dessas obras que as traduziu sem dar o devido crédito e publicou-as como sendo suas, o que era muito usual nas terras tupiniquins de outrora.
Portanto o conto “Rui de Leão” é um marco da literatura fantástica brasileira, e o conto “O Imortal” é um marco da literatura de ficção científica brasileira. Os textos se complementam e é interessante ler ambos em sequência. Abaixo estão os links para a leitura dos textos, que estão em domínio público:

Contos:
     Rui de Leão
     O Imortal

terça-feira, 28 de março de 2017

Parque Nacional do Xingu - Kuarup: alma indígena - Ana Suely

Parque Nacional do Xingu - Kuarup: alma indígena 

Kuarup
Em julho de 2003 tive a oportunidade de conhecer o Parque Nacional do Xingu e assistir ao Kuarup, uma reverência aos mortos ilustres. Naquela oportunidade a homenagem era dedicada ao sertanista Orlando Villas Boas, grande guerreiro e defensor da causa indígena. 

Orlando Villas-boas
A predominância dos brancos foi grande e evidenciou fortemente o domínio do homem branco sobre o índio. Presenciei essa coisa ainda tão viva em nossas cultura, através de atitudes e concepções. Traduzido no nível de intromissão, no sentimento de domínio, de superioridade; literalmente falando, de falta de respeito. 

Sinto não ter tido um contato genuinamente indígena, o que, com certeza, me passaria um mais intenso sentimento de amor, afeto, natureza e compreensão daquela gente esquecida pela gente "civilizada". 

Mesmo com a intervenção constante do branco busquei do fundo da alma perceber, sentir e vivenciar o SER ÍNDIO, por meio de gestos, costumes, olhares e da expressão que tanto se faz presente e impressiona! 


Não quero registrar apenas indignação pelo domínio do homem branco sob o índio, certamente obcecado pela sede de poder (vi muito com que me indignar, sim...), mas desde que iniciei meus escritos, seja em forma de poesia, crônica ou qualquer tipo de redação, fiz uma jura a mim mesma; relatar o protesto sim, a evocação, o grito de insatisfação, de alerta, mas, procurar evidenciar o belo, o etéreo, o sagrado; enfim, a beleza da natureza expressa seja de que forma se apresente. 

Naquela gente, que nos lembra quem somos, nossa origem, que temos família, faz-nos lembrar ainda que fomos feitos para viver em harmonia. Senti-me pequenina diante de suas grandezas, desde o gesto infantil que já perdemos há muito tempo, de recordar nossas origens. 

Fiquei emocionada quando Killir, uma indiazinha meiga, companheira, linda... perguntou-me o nome dos meus pais (já não os tenho mais em vida), há quanto tempo alguém na minha vida teve o interesse de saber o nome deles... senti que ainda há quem dê valor ao espírito de família, que se importe com os outros. 

A companhia daquela indiazinha mexeu muito comigo; perplexa por nossos atos, atitudes, comportamento, modelos, costumes, exemplos e, de repente, fiz uma leitura de que não tinha o que ensinar, e sim muito a aprender com o povo indígena. Eles se comportam de forma feliz, simples, inocente, natural e cativante, exemplo para nós. 

O viver, o simplesmente ser, em tudo que lhes diz respeito. A harmonia nos gestos, nos traços da cabana, nas cores exóticas, no preparo dos alimentos, no olhar e na forma de se relacionarem. A conversa entre os familiares, ao deitar, ao acordar, soa como um compromisso à própria vida, a própria natureza harmônica e liberal. A naturalidade de forma expressiva do ser, do fazer e do respeitar. 

cacique Aritana
O coração do cacique Aritana, ilustre líder indígena, enaltece a imensa maloca com seu aspecto soberano – simples, mas tão expressivo quanto seu olhar de sabedoria – seu dom nato de saber ouvir e acolher quem está em seus “braços”, impressionante, louvável e porque não dizer, apaixonante! Seu olhar seguro, determinado, firme e grandioso carrega valores e transmite aulas vivas de sabedoria e aprendizagem de vida. 

A submissão das mulheres lhes garante o direito de companheiras, protegidas e também guerreiras, pois cabe a cada uma o seu espaço, o seu trabalho e determinação. 

O céu do Xingu, imenso chão de estrelas, reluzindo sobre os seres, refletindo brilho, piscando incansavelmente, fez-me acreditar que existe céu na terra, como um banho de estrelas caindo em forma de véu, envolto numa cortina imensa, à qual apenas os abençoados por natureza têm acesso. 

Senti falta da chuva, mas contentei-me e entendi sua ausência como um sinal de respeito que naquele momento eu interpretaria sua presença como uma lágrima dos céus, da mãe natureza em confronto com a maldade humana e preferi assim... 

Os rios, carregando a lembrança de sonhos de criança, de espaço, de paz e esperança, ainda que sofridos, desgastados e modificados pelo assoreamento oferecem o espírito de liberdade e me permitiram viver a sensação de céu, do divino, da natureza que eu só conhecia nos sonhos de criança. 

De quebra nos proporcionou um espetáculo maravilhoso! A dança das gaivotas, acompanhando-nos num sob e desce, sob o barco, que ao entrecortar de asas, em harmonia perfeita, cantavam, revoavam e num compasso exuberante deixaram-nos (uma poetisa, um artista plástico e um jornalista) fascinados. Subiam e desciam aos céus apresentando um espetáculo sem hora marcada, sem ingresso e sem ensaios. O único passaporte exigido, foi a coragem de desafiar os costumes, o comodismo do mundo evoluído e o sedentarismo largados aqui na “sociedade civilizada”. Ecoavam aos céus, às águas, aos seres um grito de liberdade, de viver e nos transmitiram uma mensagem de que ainda é possível sermos felizes. 

Mais que uma viagem, foi um sonho, um reencontro, uma volta ao útero materno, um retorno à infância, um repensar de viver, de ser, vez que vivemos fincados na evolução, na perda de valores humanos em nome do avanço tecnológico e em meio as edificantes construções. 

Um encontro de vida, uma lição de amor, de bondade e sabedoria por uma gente a quem tanto devemos, e que hoje num gesto sublime de magnitude, resiste, ainda que com toda a intromissão do homem branco. 

Eles perduram, guerreiros em plenitude. Gente com quem tanto precisamos aprender, reaprender a nos tornamos mais gente! 
Ana Suely
Ana Suely 2003.
Crônica premiada com ela pela no Projeto Delicatta 2008, em terceiro lugar,  categoria crônicas em 2008.




domingo, 26 de março de 2017

ONDAS LAICAS - PAULO TADEU POLI

ONDAS LAICAS
ADF - Automatic Direction Finder. 
           Localizador Automático de Direção.
           Instrumento muito usado por pilotos de aeronaves leves, antes do surgimento do GPS.
           Ao receber as ondas de F.M. aponta a direção da emissora.
           



              Os Mórmons vinham dos EUA trazendo monomotores novíssimos e causavam tremenda inveja nos pilotos de garimpo que, invariavelmente, voavam aviões antigos, importados há muitos anos. Eram os missionários, pilotos do primeiro mundo; razão pela qual mostravam péssimo desempenho nas operações críticas do que há de pior no terceiro mundo: as precárias pistas da selva amazônica. 
             
O missionário Bob, recém-chegado, partiu para a sua primeira missão, com um Cessna 185, estalando de novo. Levava outro colega. Poderia ter desistido de tentar o pouso quando percebeu que a precariedade da pista era muito maior do que supunha. Mas achou que não. Teria que tentar, afinal era um missionário. Tocou antes do início, com medo de ultrapassar o fim daquele disforme carreador que chamavam de pista. O avião “tropeçou” em várias valetas e morrinhos de terra e virou de ponta cabeça numa cambalhota que os pilotos chamam de pilonagem.
                O passageiro fraturou uma das clavículas e o piloto um corte no supercílio. Nada além.
                O cacique promoveu a pajelança e o piloto pediu, através do rádio amador da aldeia, ajuda imediata com a vinda de outro avião para socorrê-los. Aquele com o qual chegaram teria que ser desmontado e removido em barcaças pelo rio, distante uns trinta quilômetros de onde estava, muito danificado.
                  O Rani tinha nome de índio, mas era alagoano tal qual o Graciliano Ramos e o Daniel Barros. Discreto ao ponto de raramente ser notado. Via-se de tudo entre os pilotos de garimpo: advogados, engenheiros, médicos, mas não se via o Rani; a discrição era tamanha que o camuflava. No meio aeronáutico local, para os que o conheciam, porém, ele era o cara. Pilotava como ninguém - e que se diga, ali só sobreviviam os ótimos - além de ter virtudes ocultas que raros conheciam.
                   Foi seminarista, por vários anos, influenciado pelos pais, religiosos fervorosos. Sua mente prodigiosa e arguta mostrou-se, entretanto, muito mais afeita ao darwinismo. Deixou o seminário. Ateu como pedra. Prestou vestibular para o ITA, após um ano de curso preparatório e passou. Não gostou da disciplina militar, desistiu. Estudou música por um tempo, tinha o dom, além do mais. Até a sanfona, martirizada pelos ritmos gauchescos se tornava doce e melodiosa em suas mãos. Resolveu voar, brevetou-se e os céus se curvaram ao seu talento.
                  Os mórmons estavam lá, como não poderia ser diferente, até que o socorro os alcançasse. O piloto com a cabeça enfaixada e o outro com uma tipoia improvisada. Aquela tribo, como tantas outras na Amazônia, já se apartavam, naquela época da década de 1980, das definições dos indigenistas irmãos Villas-Bôas e do Darcy Ribeiro, entre outros. A civilização as contaminara: para o bem ou para o mal. No caso em pauta para o bem, afinal, havia ali comunicação por rádio e recursos mínimos para cuidados médicos básicos 
                    Em meio aos sons de insetos que zoavam  incessantemente em todos os ouvidos presentes,  percebia-se, ao longe, um zunido característico de um avião. Os gringos nem se animaram porque, antes de qualquer pretensão de que alguém ali pousasse para socorrê-los, imperava a necessidade de se retirar o avião deles, o sinistrado, que ocupava o início da cabeceira da pista mais favorável para pouso, já que o vento soprava, como naquele momento, com muita prevalência no sentido oposto ao agora obstruído. Os índios, através de sinais e o que seja, deixaram entrever que iriam reunir mais pessoas para retirar o avião “capotado” daquela inconveniente posição. Os mórmons pareceram compreender, também, que isso só se daria no fim do dia, quando a maioria voltasse das pescarias e caçadas. Dessa forma, aquele barulho de um avião que se aproximava cada vez mais não iria lhes dizer nada, já que o pouso seria impraticável. O que, aliás, já havia se mostrado, sem o empecilho  adicional, há poucas horas.
                   
Cessna
Aquele rugir de um potente motor Continental 300 hp de um Cessna 185, igual ao sinistrado, porém muito mais antigo, tornou-se presente, tão próximo quanto as batidas dos corações ofegantes dos acidentados. O avião chegou a toda velocidade, mais de trezentos quilômetros por hora, provindo de um voo picado passou em um rasante rente ao solo e a asa esquerda a centímetros do ventre do outro 185. Na sequência subiu com o nariz bem na vertical, fez um chandelle, manobra na qual uma das asas afunda e o avião perde altitude imediatamente e veio todo flapeado, pendurado no motor, urrando e silenciando intermitentemente, na busca da velocidade mínima de sustentação, muito prejudicado, esse intento, pelo vento bastante desfavorável. O Cessna, assim mesmo, tocou no primeiro metro da cabeceira oposta ao outro avião e parou a exíguos centímetros dele.
                   Os índios que ali permaneciam, insuficientes para tirar o entulho da pista, eram mais que suficientes para ocultar o piloto, quando cercaram o avião após o pouso. O Rani de bermuda e sandálias havaianas e com esse nome, se tirasse a camiseta poderia ser adotado pela tribo. Os gringos ficaram pasmos quando ele foi apresentado. Estarrecidos ainda estavam, pela façanha daquele pouso mais-do-que-perfeito.
                     Comentaram, depois se soube, com um desprezo que beirava o asco, que aquele sujeito, com aquela aparência desprezível, denegria a imagem heróica dos pilotos. Isso dito na frente do próprio criticado, no mais alto e bom som que a língua inglesa viesse a permitir.
                       Entre gringos e índios o Rani, sinalizando, orientou para que os mórmons embarcassem imediatamente no avião. Houve, de imediato, a resistência dos americanos que sinalizavam em gestos largos dizendo que não iriam antes da retirada do outro avião da pista. Que seria impossível decolar daquele jeito. O Rani simplesmente fez um gesto de despedida numa espécie de continência militar e se dirigiu para o avião. Resoluto, sem olhar para trás. Os dois gringos correram em direção ao maltrapilho piloto e embarcaram no velho 185.
                         O mórmon piloto sentou no banco ao lado do Rani e o outro no banco atrás deste.
Ao taxiar o avião foi levado até a cabeceira oposta e avançado alguns metros além do seu limite, com a hélice roçando a mata mais baixa e frágil. Tendo obtido o máximo de aproveitamento possível promoveu o giro de cento e oitenta graus ficando de frente para o avião avariado que parecia demasiadamente próximo. O gringo piloto só dizia: impossible, impossible. 
                         O Rani travou os pedais de freios - os aviões têm dois - com as pontas dos pés e levou a manete de potência ao máximo. O 185 iniciou o deslocamento tão logo liberados os freios, mostrava sentir o peso dos dois enormes passageiros. Mas o potente motor permitia ganhar velocidade. Quando muito próximo do obstáculo, do avião sinistrado, sob os gritos do outro piloto ao lado dizendo que iriam bater, o Rani levou a mão à alavanca do flape manual e comandou full flap, flape total, o 185 saltou o obstáculo e saiu amolecido do outro lado com a buzina de estol avisando que iria voltar para o chão. De fato voltou para o restinho de pista que ainda havia; o Rani comandou o flape para vinte graus e tirou novamente o 185 do chão, agora rente à vegetação rasteira que emoldurava a pista. Foi fazendo curvas suaves buscando os obstáculos mais baixos até obter velocidade suficiente para ganhar altitude e prosseguir o voo, O piloto gringo simplesmente não acreditava no que acabara de presenciar.
                           
Cúmulus Nimbus
Dali, da aldeia, aproou para a região dos garimpos, ficava à esquerda da rota original, porém quando não existia o GPS se fazia necessário conhecer o terreno sobrevoado. Com poucos minutos de voo, já bem alto, verificou nuvens escuras e muito volumosas, os famosos Cúmulus Nimbus, conhecidos pelos pilotos pela abreviação CB, que provocam muita turbulência oferecendo riscos incalculáveis para os aviões de pequeno porte. Corrigiu imediatamente o rumo alternando para a rota direta para o destino. Ao voar mais meia hora notou que também por ali havia CBs. Aproou ainda mais para a direita, teria que contornar essas formações meteorológicas.
                               Agora, em virtude dessas alterações imprevistas se impunham duas preocupações, decorrentes do aumento do tempo de voo: chegaria a Alta Floresta, seu destino, com combustível escasso porque ao abastecer, pouco antes de partir para o socorro, calculou a quantidade de combustível suficiente para a ida e o retorno mais trinta minutos de voo. Se estivesse com combustível excessivo não conseguiria decolar da aldeia. O outro problema era relacionado com o pôr do sol, com o acréscimo do tempo de voo chegariam à noite no destino. Mas, quanto a isso, faria de novo o que já fizera várias vezes: pousaria no escuro mesmo. Pensou bem e resolveu encarar um dos CBs para encurtar a rota. Quando, mais uma vez alterou a proa, o piloto resgatado voltou a esbravejar dizendo que iria soltar as asas se insistisse em atravessar a tempestade. O Rani apenas bateu com o dedo indicador nos marcadores de combustível, O gringo ficou quieto.
                             Fluxos de vento deslocando em turbilhonamento massas de ar de volume incalculável, começaram por jogar o 185 para cima, por mais que o Rani comprimisse o manche para o avião descer ele subia incontrolavelmente. Em instantes se dava o inverso, de repente despencava com velocidades por vezes baixas demais, em outras ocasiões excessivamente altas. Já não havia mais visibilidade, era tudo cinza escuro, quase preto lá fora. O sacolejar era violentíssimo, ouvia-se estalos na estrutura de alumínio do avião por todos os lados, principalmente vindos das asas. Foram uns vinte minutos dessa agonia até que o CB fosse vencido. O autor do ditado: depois da tempestade vem a bonança, deve ter passado por isso. Agora voavam com a maciez de um sonho feliz. Mas nem tudo estava resolvido. Anoitecia e o CB os havia levado para onde?
                                   
Rio Apiacás 
Ao saírem da tempestade, imediatamente, o Rani lançou olhares para todos os lados e, apesar do lusco - fusco, ainda conseguiu identificar o rio Apiacás, um pequeno trecho dele. Era uma referência singela, pois não tinha como deduzir em que altura do rio teria cruzado. Manteve a rota por uns cinco minutos e foi perdendo altitude para tentar, quando mais próximo do solo, encontrar  alguma referência adicional; não foi possível, escureceu rapidamente. Acendeu as luzes do painel do avião e passou a voar apenas por instrumentos. Dessa forma, voando sem qualquer visibilidade externa, restava-lhe apenas a alternativa de conseguir sintonizar a rádio FM de Alta Floresta, através da qual o ADF no avião apontaria a direção da emissora e consequentemente da cidade, Resolveu, improvisando, voar em serpentina, ia alterando a rota, para lá e para cá, como se seguisse uma serpentina gigante desenhada no seu imaginário, com isso teria mais chances de evitar passar ao lado da cidade sem receber o sinal da rádio FM. A emissora local era de baixa potência e os sinais só surgiam quando  bem próximo estivesse. O piloto gringo já não entendia mais nada, agora foi a vez dele de mostrar com o indicador os marcadores dos tanques de combustível que entravam no vermelho, acusando a emergência. O Rani, por sua vez, bateu com o indicador no aparelho do ADF. O gringo continuou a não entender nada. Mas ficou quieto, depois daquele dia voando com o Rani, se saíssem vivos, nunca mais pilotaria. Conversava vez ou outra com o outro passageiro. Ficava à vontade para, em inglês, falar um monte de descalabros a respeito daquele que os conduzia.
                           A situação estava ficando dramática, mais ainda a cada minuto, Nisso surge um chiado no rádio. Os gringos se aproximaram rapidamente dos alto falantes. O Rani fez uma curva brusca para a esquerda e o chiado foi desaparecendo, imediatamente fez outra para a direita e o chiado foi aumentando, manteve a proa na direção da maior intensidade dos chiados. Sem demora surge uma cantoria, parecia algo sacro. Mais um pouco e se pode perceber que era uma Ave Maria cantada por um coral, o ponteiro do ADF se movimentou e indicou a localização da rádio, que transmitia uma missa local. Estavam mais de dez graus fora da rota. Corrigido o rumo logo avistaram as luzes da cidade. O Rani não teve dificuldades em pousar na pista sem balizamento naquela noite escura.
                           Ao descerem do avião os gringos gritavam de alegria, histéricos diziam: Uma Ave-Maria nos salvou.
                           Cessada a comemoração quase histérica, como se nada tivesse acontecido, manifestou-se o Rani, num inglês tão fluente quanto o dos gringos: the eletromagnetic waves that trigger the marker of ADF doesn’t submit to religious influence. We had a same appointment with the dail playing a “pagode sound.”
                          Ou seja: “ as ondas eletromagnéticas que acionam o marcador do ADF são laicas, não sofrem influência religiosa, Teríamos obtido a mesma indicação da emissora se estivesse tocando um pagode.”
                       
Paulo Tadeu Poli
Virou as costas para os resgatados que foram recebidos por inúmeros mórmons que os aguardavam, pegou o seu carro e foi para casa. 
                        Para ele foi apenas mais um dia.
                     
                                    

sexta-feira, 24 de março de 2017

Menino de Deus, Lindoberto Ribeiro - Júlio José



"Menino de Deus, a história de um sequestro" de Lindoberto Ribeiro é um daqueles livros que prendem o leitor desde o primeiro parágrafo. De leitura fácil, leve e confortável, o livro traz o prazer de curtirmos uma história curiosa com suspense e reviravoltas na medida certa. Nele, podemos acompanhar a investigação de dois detetives como se nós fôssemos parceiros dos mesmos, sentindo em nossa própria pele as mesmas incertezas, desconfianças, medos e tensões pelas quais os personagens passam. E o que é melhor, com final surpreendente e imprevisível, como todo bom suspense deve ter! - Esse livro eu, Júlio José, recomendo!

Júlio José
Júlio José, músico, escritor e radialista.


quarta-feira, 22 de março de 2017

Entrevista com Daniel Barros - Mauricio R B Campos

Óleo sobre tela, Hemingway e Daniel Barros - Ivan Marinho
Entrevista com Daniel Barros, autor de Sorriso da Cachorra, Enterro sem Defunto e Mar de Pedras. Cedida a Mauricio R B Campos em 30 de agosto de 2015.

"Se queres ser universal, escreve sobre tua aldeia." Tolstoi.


Maurício R. B. Campos
Gostaríamos de ter feito essa entrevista ao vivo, tomando um J.B. on the rocks, mas não foi possível, pois o alagoano Daniel Barros está radicado em Brasília, DF, e o Overshock fica no estado de São Paulo. 

Daniel Barros, Mar de Pedras, seu último romance, se passa na Ilha de Croa, em Alagoas, qual a sua relação com esse pequeno paraíso alagoano?

DB — Jorge Amado dizia que todos os seus personagens tinham um pouco dele ou das pessoas que ele conhecia. Para mim, escrever sobre os ambientes funciona da mesma forma. A Barra de Santo Antônio, onde fica a Ilha da Croa, eram aonde ia quando não estava trabalhando. Vivi bons momentos da minha vida naquela “ilha”, momentos não tão excitantes como viveu Henry Melo, mas bons momentos. Oportunidade em que convivi com pessoas que me inspiram a escrever Mar de Pedras. Entretanto, os acontecimentos políticos relatados no romance não se limitam às pequenas cidades, afinal no Brasil inteiro surgem “novos” políticos com velhos sobrenomes: Sarney’s, Cunhas Lima’s, Barbalhos, etc. Para você ter uma ideia, em Alagoas o governado é filho do presidente do Senado, o prefeito de Maceió é filho do ex-governador de Alagoas, Guilherme Palmeira e neto do ex-senador Rui Palmeira. Essa “genética” é discutida em Mar de Pedras.

Nos seus livros sempre há a presença de um fotógrafo, qual a sua relação com essa profissão? Já trabalhou com fotografia? Pensa em trabalhar com isso? Ou é uma escolha puramente literária?


Sebastião Salgado
DB — Sempre fui um entusiasta da captura de imagens. Ainda muito cedo me apaixonei pelas fotos de David Hamilton, Sebastião Salgado, Evandro Teixeira, Bubby Costa e Henri-Cartier Bresson — este me inspirou o nome para o personagem Henry Melo. Assim que me formei, comprei minha primeira máquina fotográfica. A intenção era fotografar movimentos sociais, mas infelizmente não conseguia ser espectador, acabava virando manifestante. Depois pensei em fotografar mulheres, mas não teria relacionamento que durasse (risos), então parti para paisagens e publiquei algumas fotos nos jornais em Alagoas, entretanto nunca atuei profissionalmente. E seguindo o caminho contrário do fotógrafo Araquém Alcântara, que sonhava ser autor de livros, eu sonhei ser fotógrafo e virei escritor.

Você segue algum método para escrever? Mantém fichas de personagens, esboços, desenha previamente as cenas ou é mais intuitivo?

DB — Normalmente começo pelo fim. Penso no desfecho e desenvolvo em cima daquela ideia. E, para minha surpresa, descobri que esta técnica de iniciar o livro, tendo já em mente o seu final, era um método ensinado nas oficinas literárias ministradas por Gabriel García Márquez. Quanto aos personagens, estes surgem naturalmente, mas, à medida que escrevo, eles vão tomando formas e crescem. Às vezes, uma personagem que a princípio seria um coadjuvante cresce e se torna grande. Aconteceu em Enterro sem Defunto. Catarina era para ser apenas a namorada de Alcides, mas de repente cresceu ao ponto de ser, talvez, a personagem mais forte do livro. Em Mar de Pedras isso ocorre com Carolina.  Não quero dizer com isso que eles tenham vontade própria, não! Quem manda é o autor, mas tem personagens que nos conquista.


Thesaurus 2015
Seu livro Mar de Pedras teve um boom de vendas no Reino Unido, chegando a ser o livro mais vendido em língua portuguesa na Amazon UK. Conte para nós o que aconteceu?
DB — Foi para mim uma agradável surpresa. Acredito que o clima tropical, a sensualidade, a vida boêmia e a cultura brasileira, ou seja, os temas abordados no romance possam despertar o interesse das pessoas que estão vivendo tão longe dessa realidade.

Por falar em Amazon, qual a sua opinião sobre a gigante dos livros eletrônicos?

DB — Acredito que a Amazon veio para revolucionar o mercado livreiro, não apenas com os livros eletrônicos, mas também o livro convencional. Os grandes editores e best sellers que criticaram muito a Amazon, hoje têm seus livros vendidos por ela. A forma honesta de prestação de contas, os direitos autorais pagos, nos livros eletrônicos que vão de 35% a 70%! Nos livros impressos 20%, quando no mercado convencional mal chega aos 10%. Tudo torna a Amazon um caminho promissor para novos escritores. Convém ressaltar que com Enterro sem Defunto cheguei a ocupar o segundo lugar de o livro mais vendido na categoria crime no Brasil, à frente “queridinhos” da mídia e de uma poderosa editora brasileira. Quando isto poderia acontecer no mercado convencional?

Você publicou seu primeiro romance, O Sorriso da Cachorra, pela Thesaurus, o segundo pela LER (Enterro sem Defunto), e com Mar de Pedras retornou à Thesaurus. Você em algum momento pensou em publicar de maneira independente, ou acredita que ainda é fundamental o suporte de uma editora?

DB — O grande problema do lançamento independente é a distribuição. Quando por editoras, a distribuição é viabilizada. Tenho uma preocupação com os conceitos independente e alternativo. Alguns colegas se intitulam alternativos por não atingir o grande público e consequentemente o mercado, e como crítica aos que alcançaram se dizem alternativos. E me pergunto? Eu quero ser alternativo? Alternativo a quem? A Graciliano Ramos, a Jorge Amado, Alcione Araújo, Raimundo Carrero? Não, meu amigo, eu quero estar entre eles, entre os clássicos, entre os melhores.
Raimundo Carrero
    
Você já trabalhou, ou pensa em trabalhar em outras mídias, como cinema, TV, quadrinhos, teatro? Já imaginou suas obras em outros formatos? Mar de Pedras tem todos os elementos, por exemplo, para ser uma minissérie televisiva.

DB — De fato, meus livros seriam facilmente adaptados para o cinema. Teatro, não tenho certeza, mas quadrinhos acho que só se fosse japonês - Hentai - (risos). Um amigo, cineasta pernambucano, vai analisar, mas nada concreto. Estou aberto para discutir uma possível proposta. Acredito que teríamos bons filmes, sobretudo, com Mar de Pedras e Enterro sem Defunto.

Em Mar de Pedras Jorge Amado encontra Hemingway, quais as suas influências literárias?

DB — Realmente um encontro de gigantes! A virilidade e valentia dos heróis Hemingwaynianos e a malandragem e a realidade dos anti-heróis de Jorge Amado. Em comum, as aventuras e a boêmia de ambos. Não há dúvida que são minhas maiores influências, mas não poderia deixar de citar Bernardo Guimarães e Marcel Proust, onde a riqueza de detalhes é marcante, riquezas essas que já me rederam algumas críticas negativas. Não poderia deixar de fora o mestre Rubens Fonseca, para mim o maior escritor brasileiro de literatura policial. Dele busco o cuidado técnico da informação colocada no enredo, sem furos por falta de conhecimento, o que é muito comum na literatura policial. Para você ter uma ideia, um premiado escritor e jornalista teve o disparate de escrever que seu personagem, ao ouvir um barulho na porta, “destravou sua pistola Glock e...” Ora! As pistolas desta conhecida fábrica austríaca não apresentam travas, apenas um mecanismo no gatilho, que ao ser acionado libera a arma para o disparo. Nesse mesmo livro ele cometeu outros equívocos, que poderiam ser facilmente eliminados, se ele tivesse a humildade de consultar que entendido no assunto. Aqui complemento a sua pergunta sobre o porquê da presença de fotógrafos nos meus livros, acredito que devemos escrever sobre o que conhecemos. 

O fato de Rubens Fonseca ter sido policial o credencia para ser o mestre, como você sempre o chama, da literatura policial?
Rubens Fonseca

DB — Poucas pessoas sabem que, o mineiro de Juiz de Fora, Rubens Fonseca foi policial civil no Rio de Janeiro. Fico feliz por sua lembrança. O fato de ser policial não o credencia para ser o mestre do gênero policial, mas o conhecimento adquirido no período em que foi policial fortalece sua genialidade. O dom para a escrita o faz um mestre, se não fosse na literatura policial, seria em outro gênero com certeza.

Mar de Pedras é uma obra que deixa espaço para continuações; podemos sonhar com uma série, ou a aldeia de pescadores do livro viverá apenas em nossa memória?

DB — Realmente tenho essa demanda dos leitores. E isso me deixa muito contente, significa que o livro marcou as pessoas e o desejo de continuar convivendo com os personagens é algo positivo. Então penso que ainda seria uma boa estória os desdobramentos dos acontecimentos narrados no epílogo. Carolina, Francesca, Padre Francisco... enfim, como grandes personagens, talvez nos proporcionássemos um belo enredo. Mas tenho outros projetos em mente.

O que podemos esperar de Daniel Barros? Seus livros têm ficado cada vez melhores; o que vem por aí?
Daniel Barros

DB — Quando terminei O Sorriso da Cachorra, meu maior medo era não ter folego para escrever outro livro, e ser escritor de um livro só. Hoje o meu maior medo é não evoluir nas próximas obras. Neste sentido tenho tido boas críticas sobre a minha possível evolução, e, portanto, o trabalho se torna mais árduo. Estou escrevendo, no momento, um romance mais denso, mais introspectivo, com um cuidado maior na construção dos personagens e do enredo. Não quero ainda adiantar o título, pois não sei se vou conseguir atingir o meu objetivo, e caso não, não o publicarei. Quando comecei a escrever Mar de Pedras, meu objetivo era escrever um romance tropical, suave, agradável, com sabor e cheiro, não que as questões políticas lá presentes não despertem a um questionamento sobre nossa sociedade, capitalista, egoísta e corrupta, entretanto, não tiram a leveza e o colorido da trama. Após a conclusão desse trabalho, quero retornar ao gênero policial, para isto, estou ampliando minha biblioteca no gênero para, a partir do final deste ano, me dedicar mais ao tema. E espero que entre estes livros que me darão subsídios para escrever uma boa narrativa, esteja o seu livro, caro Maurício, que pelo que já conheço das suas linhas, será sem dúvida uma grande obra literária. Quanto à entrevista não ter sido ao vivo, e, portanto, na aprazível companhia de Justerini & Brooks, espero termos outra oportunidade, para nos conhecermos pessoalmente e podermos papear um pouco, o que será um grande prazer para mim.  



Mar de pedras


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segunda-feira, 20 de março de 2017

LITERATURA POLICIAL - Daniel Barros

LITERATURA POLICIAL

O gênero policial se caracteriza na sua estrutura narrativa pela presença do crime, da investigação e do malfeito, tendo como foco a elucidação ou resolução do crime (mistério). Além de não permitir a impunidade, pois politicamente propõe que o crime não compensa. Essa é a definição clássica. 
Voltaire
Para melhor nos situarmos na origem da literatura policial, devemos buscar o início dos romances de aventura, pois por um longo tempo ambos estiveram intimamente ligados. Com a introdução do raciocínio e da lógica, a literatura de aventura vai aos poucos se transformando, mesmo que algumas vezes confusas, no que hoje seria o clássico policial.
Há diversas teorias sobre o seu surgimento, entretanto a dedução e o raciocínio lógico constituem a sua base. Já em 1747, Voltaire publica “Zadig ou O destino”, em que, através da dedução, o personagem, sem nunca ter visto a cadela da rainha e o cavalo do rei, ambos desaparecidos, os descreve com exatidão e, por isso, é acusado de tê-los roubado. Quando na realidade apenas se baseou nos vestígios deixados pelos animais na estrada para descrever suas características. Zadig foi preso. Mas, quando os animais reapareceram, os juízes pediram explicações a Zadig. Mas não sem antes obrigá-lo a pagar uma multa, como se a vítima tivesse que pagar pelo erro dos magistrados. 
Zadig esclareceu que, no caso da cachorrinha, havia notado no chão pegadas do animal e logo concluíra ser de um cão. Percebeu também marcas leves e longas na areia entre os vestígios das patas, revelando que eram de uma cadela com tetas caídas, e que, assim sendo, estava recém-parida. Outros traços no chão em sentido diferente, ao lado das marcas da pata dianteira, mostravam o tamanho das orelhas em sua observação, da mesma forma que havia uma profundidade diferente entre as impressões de uma pata e outra – levando-o a concluir que a cadelinha mancava... Explicou também que, com o cavalo do rei, usara o mesmo método.
Na literatura de aventura, os heróis Ivanhoé, Robin Hood, Rei Artur e tantos outros são exemplos em que a ação comandava as cenas; o raciocínio frio e lógico, quando surgia, era superado pela valentia dos heróis ou pela força das armas. Por muito tempo o romance de aventura dominou o mundo literário e com o decorrer do tempo se dividiu em três fases: a primeira conservou o mesmo espírito, apenas ampliando seu campo de ação; a segunda, de espionagem, que na verdade já existia, porém não com essa nomenclatura, pois a esta não figurava como o centro da intriga, como podemos citar Milady, no romance do célebre Alexandre Dumas, Os três mosqueteiros. E, finalmente, a terceira fase, o romance policial surge tendo o raciocínio lógico como força preponderante a suplantar a ação e as armas.

S.S. Van Dine
No início do século XX, S.S. Van Dine propôs as vinte regras do romance policial, regras muito boas para nortear a base de um bom livro. Mesmo recomendando que seja verossímil, não permite riscos para o detetive, nem nuances da vida amorosa do mesmo, com a intenção de não distrair o leitor, o que considero uma falha do clássico romance de enigma. Mas para nosso regozijo, dentro do gênero, encontramos o estilo negro, ou noir, como é mais conhecido, onde a semelhança com a vida real é marca registrada; nele, o herói (investigador) corre os riscos inerentes ao trabalho, bem como tem sua vida exposta, seus casos amorosos, brigas, violência, etc. Tendo paralelas à investigação outras tramas. Um dos grandes autores, se não o maior, é o nosso Rubem Fonseca, e poucos sabem que foi comissário de polícia no início de sua carreira. Hoje é considerado por Leonardo Pandura um dos melhores escritores do gênero.
Rubens Fonseca
Fonseca se torna conhecido do grande público, ao ter suas obras levadas ao cinema, onde podemos destacar: Bufo & Spallanzani (romance), O cobrador (conto) e Mandrake, que virou seriado de sucesso na HBO.
Em nível mundial temos: Raymond Chandler, que exerceu uma influência enorme no gênero romance policial moderno, tendo seu personagem, Philip Marlowe, também levado para o cinema, no clássico À beira do Abismo. 
Sem dúvida, é o estilo de que mais me aproximo. Portanto, meu romance Enterro sem defunto segue este caminho, porém como diz o escritor e crítico, Maurício R. B. Campos: “O tom que caracteriza a obra é o noir, mas foge daquele noir estereotipado. Estamos no Brasil, nos arredores de Brasília ou em uma praia de Maceió. O tom é colorido como nos convêm, longe do preto e branco ianque.”
Dentre outros estilos, podemos destacar o Interpretativo, onde é narrado o crime já ocorrido, estilo muito bem utilizado por jornalistas, como no livro de Truman Capote, A sangue frio: trama que relata o brutal assassinato de quatro membros de uma família no Oeste do Kansas. O livro descreve, de forma minuciosa, a vida pregressa dos criminosos, sua fuga, bem como toda a investigação e a reação da população à época. Para isso, Capote realizou várias entrevistas, tendo inclusive se envolvido emocionalmente com os criminosos. E tudo termina com a condenação dos assassinos que, posteriormente, foram enforcados.
Edgar Alan Poe
No século XIX (abril 1841), Edgar Alan Poe publica em um periódico da Filadélfia, Granam’smagazine; Dois Crimes da Rua Morgue (Detetive C. Auguste Dupin); depois, A Carta Roubada(1845), e passa a ser considerado o pai do gênero policial e seu personagem, Dupin, torna-se referência para criação do detetivesco no romance policial. Entretanto, há relatos de que no século XX o escritor e diplomata, ROBERT VANGULIK, traduziu The judgedeestories, as estórias de Ti Jen-Tsié, escritas no século VII. Uma série de contos policiais baseados na vida desse juiz. 
 
Fiódor Dostoiévski
Outros autores tiveram breves passagens pelo gênero; Dostoiévski, Balzac, Victor Hugo, E. Hemingway (Os assassinos, 1927, segundo Dorothy Parker, é um dos cinco melhores contos americanos de todos os tempos) e até mesmo Charles Dickens, que chegou a deixar um modelo de romance policial, que poderia se chamar de policial perfeito, mas infelizmente, ao final, não apontou o criminoso. Falo de O Mistério de Edwin Drood. Entretanto, tais autores tiveram incursões esparsas, ficando de fato Poe como o grande inspirador do clássico romance policial. 
Enfim, seja qual for o estilo escolhido, o gênero policial sempre estará presente entre os melhores, pelo mistério, enigmas, deduções ou pela semelhança com a vida nua e verdadeira que nos cerca. 

sábado, 18 de março de 2017

ADIRSON VASCONCELOS E A VOCAÇÃO HISTÓRICA DE BRASÍLIA - João Carlos Taveira

ADIRSON VASCONCELOS E A VOCAÇÃO HISTÓRICA DE BRASÍLIA



João Carlos Taveira*



Brasília, a pouco mais de cinquenta anos de fundação, já revelou dois aspectos importantes e inquestionáveis: confirmação de seu destino socioeconômico e geopolítico e vocação inata para uma espiritualidade cada vez mais transcendente. Hoje não se duvida mais do desenvolvimento do Centro-Oeste como polo gerador de riquezas para o resto do país. Basta um olhar em direção aos estados de Goiás e Mato Grosso que, após a divisão de seus territórios, confirmam à larga os avanços apontados por cientistas e estudiosos favoráveis à interiorização. E gente do mundo inteiro se sente cada vez mais atraída e magnetizada pelos misteriosos encantos da cidade-síntese edificada no Planalto Central, e até mesmo por algumas regiões do entorno, como Vale do Amanhecer, Cristalina, Alto Paraíso. Brasília é um verdadeiro milagre da modernidade!

Lembremos. Os homens que acorreram ao chamado de um sonho antigo talvez não soubessem da extensão dos caminhos que teriam de percorrer e das dificuldades que teriam de enfrentar; talvez nem imaginassem que aquela mera convocação seria, na verdade, o chamamento para o traçado de uma linha divisória no mapa do Brasil: o antes e o depois da construção de Brasília. Com a transferência do poder, nosso país nunca mais seria o mesmo, tanto para o bem quanto para o mal. Porém essa é outra história.

Adirson Vasconcelos recebe, em 1960, no jornal Correio Brasiliense, a visita do Presidente Juscelino Kubitschek, acompanhado de Dona Sarah. O presidente JK senta-se à mesa de trabalho do amigo. Adirson retribuiu a visita, em 1964, indo se solidarizar com o Presidente em Paris, onde se encontrava exilado e perseguido.
Hoje, pretende-se falar um pouco de um desses homens pioneiros que, a exemplo do grande e saudoso Ernesto Silva, têm dado valioso contributo ao processo de consolidação da nossa cidade: Adirson Vasconcelos — o jornalista que pressentiu no gesto audaz de Juscelino Kubitschek mais que uma façanha política, mais que uma simples exibição de talento e ousadia. Adirson Vasconcelos, de imediato, compreendeu que a empresa proposta pelo destemido Juscelino trazia no seu bojo elementos cuja transcendência espiritual ia além dos costumeiros fogos de artifício dos bastidores do poder. Aquele homem estava propondo uma mudança radical nos destinos da nação, uma quebra de paradigmas sem paralelo na história do Brasil, uma revolução comportamental nunca vista desde a Inconfidência Mineira, no fim do século XVIII.

E, assim, em 1957, o advogado e jornalista cearense — ainda jovem e sequioso de novidades — desembarca no Planalto, mais precisamente no canteiro central da grande obra. E, no meio daquele ermo de poeira e vento, olha em volta, perscruta, pergunta, questiona, faz anotações e resolve não mais retornar ao Recife, onde trabalhava no jornal Correio do Povo. Naquele mesmo ano, como correspondente, é designado para dar cobertura jornalística aos preparativos da primeira Missa Campal aqui celebrada, em três de maio, por Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota. Três anos depois, assistiu à inauguração da cidade nascida do esforço e da determinação do povo brasileiro. Sim. Brasília é uma vitória do improvável sobre a realidade.

Adirson Vasconcelos
Tão logo pôde acomodar-se, Adirson tratou de fincar os pés no barro deste solo e nunca mais voltar para o lugar de onde veio. Estabelecido, procura registrar as primeiras impressões da urbe recém-inaugurada e, naquele ano de 1960, publica seu primeiro livro O homem e a cidade. Daí por diante, não para de escrever e publicar livros sobre a história de Brasília, em que dá seu testemunho sincero na defesa de aspectos que julga indispensáveis à consolidação da cidade como estratégia de desenvolvimento para o terceiro milênio. Com clarividência de cronista, pôde perceber também que deste chão havia brotado um novo conceito de arquitetura e urbanismo, uma nova concepção de sociedade e uma grande esperança para o sonho de grandeza de um povo ainda sofrido e castigado pela desídia e incompreensão dos que buscam o ganho fácil a qualquer custo.

Profº Adirson Vasconcelos e Daniel Barros
Foram vinte e sete livros nascidos da pena deste filho de Santana do Acaraú, que chegou também a estudar Administração e História. Em cada um deles, um novo aspecto é acrescentado à historiografia da cidade. Em muitos deles, uma abordagem enriquecedora de fatos ligados à construção, com destaque para os pioneiros mais humildes e esquecidos. E em todos eles, a marca de quem sabe o caminho das pedras, os segredos mais recônditos encravados nos corações dos verdadeiros partícipes da venturosa jornada...

O jeito simples e afável no convívio com as pessoas fazem do autor de Efemérides: As grandes datas de Brasília e JK (Thesaurus, 2009) um estimado companheiro de todas as horas, quer seja em reuniões acadêmicas, de trabalho, ou mesmo em salas de concertos. Humildade e sabedoria já se tornaram marca registrada deste homem cordial e arguto, que continua trabalhando em advocacia e a desencavar “causos” e fatos do período da construção, para contar a histórica saga de candangos, pioneiros da maior epopéia do século XX.

Como jornalista, trabalhou em diversos órgãos de imprensa, como Jornal do Commercio, Correio do Povo, Agência Meridional, TV Goyá, Rádio Planalto (de que foi presidente de 1968 a 1984) e Correio Braziliense, tendo sido ali Redator (1960), Diretor de Redação (1963 a 1965 e 1966 a 1968), Supervisor Regional (1974 a 1980) e Assessor Administrativo da Presidência (1984 a 1995). Trabalhou também, como Assessor Cultural, na Fundação Assis Chateaubriand (1996 a 2003).

Na vida acadêmica, Adirson Vasconcelos presidiu o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e é membro de diversas entidades literárias, entre as quais: Academia de Letras e Artes do Planalto (com sede em Luziânia), Academia de Letras de Brasília, Academia Maçônica de Letras (da qual foi presidente), Academia Taguatinguense de Letras, Associação Nacional de Escritores, Sindicato dos Escritores do Distrito Federal. Ainda como jornalista, ganhou prêmios importantes de âmbito nacional. Como escritor, recebeu distinções e louvores pelo teor de suas obras, a maioria voltada para a história de nossa cidade, o que lhe valeu ainda o epíteto de “Historiador de Brasília”. E isso não é pouco.

Hoje, resolvido profissionalmente e com largo trânsito em todos os segmentos da sociedade brasiliense, o pioneiríssimo Adirson Vasconcelos se dedica de corpo e alma a promover filantropia e ação social para os menos favorecidos e a divulgar fatos históricos junto à comunidade estudantil. Um verdadeiro paladino da histórica realização humana e espiritual de Juscelino Kubitschek.


* João Carlos Taveira, mineiro de Caratinga em Brasília desde 1969, é poeta e crítico literário, com vários livros publicados, entre os quais: O Prisioneiro (1984), Aceitação do Branco (1991), A Flauta em Construção (1993), Arquitetura do Homem (2005). Em 1994, recebeu do GDF a Comenda da Ordem do Mérito Cultural de Brasília.